Confessava Pe. Mário no seu Diário:
Também depois do inesquecível dia 07 de março de 1912, mesmo tendo seguido um período de cerca de três anos de retomada (como resistir à graça que operava?), em seguida houve um período de relaxamento, de estagnação espiritual, de vida exterior. Mas na metade de 1916, após a morte do meu pai, tive que retomar o trabalho, porque o Senhor o quis verdadeiramente e me preparou com a sua graça à oferta pela Obra.
Uma sua filha espiritual, Beatriz de Rorai, que tinha orientado às Filhas do Coração de Jesus, tinha sido mandada de volta para casa por falta de saúde. Voltada a Cavarzere, procurou o seu diretor de antes, mas um complexo de circunstâncias não permitiu que o encontrasse. No final de outubro de 1916, o capelão pode ouvir a sua antiga penitente. Qual não foi sua maravilha em descobrir que ela tinha oferecido sua vida e até sua vocação ao Senhor para que ele finalmente desse princípio à Obra! Seguiram-se dias cheios de pensamentos, de reflexões, de exames por parte de Pe. Mário. Devia mesmo tomar a sério a inspiração do dia 07 de março de 1912 e pensar na futura Obra sacerdotal?
Depois de longas orações e penitências, no dia 03 de maio de 1917, festa da Exaltação da Santa Cruz, fez aquela que ele chamava a sua “oferta”. De maneira reservadíssima, fez a oferta de si ao Senhor para a futura Obra e o voto de Vítima pela santificação do clero.
Uma data tão importante não podia não ser comentada por Pe. Mário, sempre tão diligente em assinalar os benefícios e as graças de Deus. A página do Diário, que registra o grande acontecimento, é um documento histórico para a Congregação Sacerdotal. Nela se narra o início, não oficial, do novo Instituto.
03 de maio de 1917. Ó meu Jesus, eu te faço a oferta inteira, absoluta, perpétua de todo meu ser, pela Obra do teu Divino Coração.
Sac. Mário de Jesus – F.d.C.d.J.
Eis o dia que o Senhor fez, alegremo-nos e exultemos nele.
Não sei quais expressões usar para dizer aquilo que sinto, aquilo que me fez experimentar Jesus no dia da minha oferta. Oferta pela Obra! Qual Obra? A Obra do Divino Coração de Jesus, que quer um grupo de sacerdotes dedicados, consagrados de modo particular ao seu amor, um grupo de consoladores do seu Coração, de pessoas, de corações sacerdotais que se ofereçam incessantemente com Ele pelas necessidades da Igreja, pelo sacerdócio católico, mas de particular modo, pelos seus irmãos transviados…
03 de maio de 1918. Chegado a este ponto, no ano passado, não senti mais a coragem de continuar, temia enganar a mim mesmo, estar na ilusão; temia que fosse presunção minha, e não ousei acrescentar palavra.
Hoje já se passou um ano daquele dia memorável, e o pensamento, o projeto da Obra não me parece mais ilusão; só temo que seja presunção da minha parte o crer ser chamado a prestar a minha contribuição num trabalho tão maravilhoso, num edifício tão excelso, talvez como simples raiz, como pequena e áspera pedra, no formidável alicerce que deve sustentá-lo. Eu me jogo nos teus braços, ó caro Jesus, me escondo no teu Coração. Nada quero fazer por mim, porque tu bem conheces a minha miséria, aliás, a minha maldade. Dispõe tu de mim como te agrada; eu te pertenço; isto só peço suplicando-te de me concedê-lo: meu Jesus faz-me santo segundo o teu Divino Coração, porque quero consolar o teu amor tão desventurado!
Sac. Mário de Jesus – F.d. C. d. J.
As interrogações angustiantes surgem espontâneas numa alma humilde, mas o Senhor sabe dar aos humildes respostas sábias e repousantes. Pe. Mário encontrou a resposta às suas tormentosas incertezas.
Perguntei esta manhã ao bom Jesus o porquê ter escolhido a mim, tão mesquinho, para tão sublime missão, enquanto com facilidade podia encontrar quem o serviria mais fielmente do que eu. Pareceu-me que ele respondeu: ‘Não é belo aquilo que é belo, é belo aquilo que agrada. A mim agrada a tua alma, porque me sinto atraído em direção a ela’. Sim, é verdade, ó Jesus: é a tua bondade que corre com mais força onde maior é o vazio e a necessidade.
Feita a sua oferta, Pe. Mário procurou viver com maior perfeição do que no passado. Note-se a assinatura da sua oferta. Reputa-se desde já religioso, ligado a uma Obra que exige todas as suas energias. Concretamente o que era ela para ele naqueles anos de preparação?
“Viver da Obra e para a Obra não significa senão viver a sua perfeição sacerdotal, a essência do sacerdócio que é o altar e o Sacrifício, e nesta vida preparar para Jesus uma falange de sacerdotes que vivam desta mesma vida”.
Pe. Venturini sempre considerou a data de 3 de maio de 1917 uma mudança decisiva de sua vida sacerdotal, um começo de vida religiosa. “A Obra é você!” ia repetindo para alimentar o fervor. Logo traçou para si um regulamento de vida que refletisse o quanto possível o de um religioso; conheceu as regras da modéstia religiosa de Santo Inácio e as colocou escrupulosamente em prática. Dedicou-se de modo especial a fazer, bem e todas, as práticas de piedade e a exercitar-se naquelas virtudes que devem ornar um bom sacerdote. Para ele, o futuro Instituto devia colocar o sacerdote em condição de santificar-se e, assim, agradar ao Coração Divino de Jesus.
Os padres da sua região pastoral perceberam logo que Pe. Venturini tinha assumido uma compostura mais de religioso do que de sacerdote secular. Fizeram comentários disso, buscaram adivinhar os motivos, mas não chegaram à conclusão.
Um dia a senhorita Beatriz de Rorai, em cujo coração estava a santificação do clero, lhe deu um impresso no qual estava, na primeira parte, a imagem de Jesus com o apóstolo São João, nas outras páginas estava escrita à mão a oração: “Pai, chegou a hora…”
Aquela oração o impressionou e em seguida, em 1923, mandou imprimir alguns milhares de cópias dela e distribuiu aos sacerdotes.
Parecia-lhe que, enquanto rezavam várias orações pela santificação dos sacerdotes, nenhuma podia ser superior àquela feita para tal objetivo por Jesus mesmo, e que por isso não podia não ser atendida pelo Pai Divino a quem era dirigida.
Por anos e anos, sem receber nenhuma oferta, mesmo na necessidade, mesmo nos graves apertos financeiros, celebrou pelos queridos sacerdotes. Também isto era um meio para realizar o programa iniciado no dia 03 de maio de 1917.
Sendo ainda capelão, e, além disso, o mais jovem da Região, não lhe foi possível um verdadeiro e próprio apostolado ativo entre os coirmãos. Começou, porém, a dedicar-se menos à pregação para as irmãs, querendo desde então reservar-se todo e sempre para os sacerdotes.
Se algum colega não participava do retiro, demonstrava o seu desapontamento com palavras claras observando que, se tinha tempo para freqüentar o mercado, podia encontrá-lo também para o retiro mensal.
Os seminaristas em férias eram seguidos por ele com santa preocupação; mas, depois que decidiu doar-se para um sacerdócio santo, os cuidou com particular amor. O reitor do seminário de Chioggia, querendo assegurar a assistência dos seminaristas de Cavarzere nos meses de verão, não encontrou nada de melhor senão confiá-los aos cuidados de Pe. Venturini. A estes jovens fazia o retiro, os seguia nas práticas de piedade, cuidava para que se distinguissem na devoção à Santíssima Eucaristia. Ainda hoje diversos sacerdotes o recordam com reconhecimento.
Cuidou também, naquele tempo, das vocações adultas, prestando-se a lhes dar não só a assistência espiritual, mas também aulas de reforço. Encontrava depois para cada um deles um instituto ou um seminário, onde pudessem ser acolhidos. Será uma atividade que um dia desenvolverá na sua Congregação Sacerdotal.
07 de março e 03 de maio. Não foram lembranças históricas distantes e superadas. Aquelas datas foram para a sua vida uma base, uma fonte sempre nova de energias espirituais, um trampolim de lançamento. Quando queria saber o que o Senhor desejava a mais ou de melhor dele, da sua Obra, dos sacerdotes, repousava a sua cabeça, como São João, sobre o Coração Sacratíssimo de Jesus. Dirigia-se perto de Jesus Agonizante e lá sentia as palpitações do Amigo Divino, percebia os seus desejos. Atingia as inspirações mais belas do Horto das Oliveiras. Mas a execução dos desejos do Amigo Divino em relação aos sacerdotes era uma tarefa árdua, cheia de sacrifícios, de dificuldades. Os sacerdotes, dizia Pe. Venturini, custam sangue. Onde buscava a força para perseverar na labuta santa, mas desgastante? No voto de vítima feito no dia 03 de maio de 1917. As dores, as incompreensões, as doenças, as provações físicas, morais e espirituais encontravam para ele uma explicação exaustiva e verdadeira: tinha se oferecido pela Obra e pelos sacerdotes.
O capelão tinha descoberto sua vocação de apóstolo dos sacerdotes. O dia 07 de março foi o princípio inspirador do trabalho, o dia 03 de maio o princípio ativo. A primeira data visava à segunda e todas as duas aos 07 e 08 de dezembro, dias da fundação. O coração Divino de Jesus tinha lançado uma semente: foi acolhida.
Tinha dado sinal de germinação. Foi guardada e favorecida. Nos dias 07 e 08 de dezembro de 1926 o bispo a transplantava no jardim da Igreja.