PRIMEIRA FORMAÇÃO
Revista Voz Amiga | Volume 32 | Nº 1 | Ano 2022
O desafio da educação das novas gerações, e sobretudo, dos futuros padres evidentemente preocupa, seja os educadores jovens, seja, sobretudo, os que viveram a vida toda com esta responsabilidade. Ninguém discute a necessidade e a importância desta missão. Mas os tempos mudaram. A cultura e o estilo de vida são diferentes. Os jovens de hoje não aqueles do passado. São necessários novos paradigmas, novos métodos. Quais? Temos que dar espaço a dúvidas, interrogativos, questionamentos. O autor deste artigo se faz porta voz dos mesmos. Vale a pena escutar.
O desafio da educação
Alguns dias atrás me encontrei com uma senhora, que não via há bastantes anos e que foi colaboradora diligente na paróquia, onde eu estava no passado. Agora é assistente social e trabalha na recuperação de adolescentes meio perdidos. E muito dedicada a esta missão desafiadora.
Falamos da educação das novas gerações. Colocou o desafio de educar os adolescentes a uma vida disciplinada e sóbria. Observou que o progresso colocou muitas comodidades à disposição do povo e a maioria procura tudo o que é mais cômodo, que mais satisfaz à gula, à curiosidade, ao lazer. E daí vem a facilidade de cair nos vícios. São adolescentes e jovens que fumam, tomam bebidas alcoólicas, até drogas, querem o celular, a moto, largam a escola, ou não se comprometem no estudo, preferindo mais passear, e ficar com os amigos.
De onde vem a pobreza?
Falamos também da ajuda aos pobres. Disse-me da dificuldade de convencer os adolescentes, filhos de famílias mal constituídas, a estudar para valer, não interromper os estudos e se profissionalizar. Mas eles também pensam a gozar a vida hoje, em lugar de preparar um futuro promissor.
O discurso dos pobres se ampliou: eu tinha ouvido mais vezes os Vicentinos se lamentarem porque famílias pobres bebiam, tomavam drogas, enquanto os filhos passavam fome. Eles os ajudavam com a cesta básica, mas o pai viciado não largava a bebida, e, por isso, não conseguia encontrar um emprego estável para manter a família.
Eu, que há bastante tempo desejava aprofundar o problema da “pobreza por causa dos vícios” tinha já pedido aos Vicentinos que me dessem escrito num papel a causa da pobreza das famílias que ajudavam. Deram-me o papel; sem dizer o nome das famílias, escreveram somente a motivação pela qual davam a ajuda. Eram 24 cestas básicas que mensalmente distribuíam, porque em 16 famílias o pai bebia, em 9 tomava até drogas; em duas o pai tinha abandonado o lar. Então eram 18 famílias pobres por causa de vícios; somente 6 eram pobres porque desempregados, doentes, ou chegados recentemente de outro lugar.
Bem-estar e decadência ética
A coisa me impressiona muito: aumenta o bem-estar, tanto é verdade que há uma corrida das autoridades para aumentar as estradas e, contudo, as estradas são sempre mais engarrafadas pelos carros. E há também uma corrida para aumentar e ampliar as prisões, que continuam sempre superlotadas. Para mim são sinais de aumento de bem-estar econômico e de decadência ética, pela cobiça ou mau uso do dinheiro.
É um problema muito sério, mas que ainda não despertou a atenção da opinião pública, nem mesmo da Igreja: continuamos a falar em pobreza e injustiça social, e calamos sobre o mau uso do tempo e do dinheiro. Se as estatísticas provam que quase 50% dos jovens têm excesso de peso, como podemos continuar a dizer que há uma multidão de pobres? Será que não existe mais o homem médio, mas há somente gordos e famintos? Não é para cessar o combate à pobreza, mas é hora de despertar para o mau uso do bem-estar!
E nos nossos ambientes religiosos e de formação?
O bem-estar entrou também nas casas religiosas e nos ambientes diocesanos, nos seminários e casas de formação. Há uma alimentação melhor, uma disciplina mais familiar, menos doenças, mais saúde e longevidade de vida. Graças a Deus!
Mas entrou também o estilo de vida burguesa. Eu sou velho e, como é costume dos idosos, confronto os novos estilos de vida com o do tempo da infância e juventude. Quando entrei no seminário havia a regra do silêncio estabelecida ainda por S. Bento e que entrou em todos os institutos religiosos e nos seminários. A regra dizia: “Fora do tempo de recreio se observe o silêncio; se precisar falar com alguém, se faça com poucas palavras e em voz baixa.”
Hoje há eclesiásticos e seminaristas que começam a conversar até dentro da igreja, apenas acabada a oração. Parece que não consigam ficar em silêncio até a chegar à porta de saída! E não se trata de poucas palavras em voz baixa: é conversa fiada em alta voz! Não falemos do silêncio nos outros lugares. O nosso Padre Fundador o recomendava muito, em vista do recolhimento, lembrando a frase bíblica: “É necessário orar sempre, e nunca desistir.” Era uma prática ascética muito recomendada pelos mestres de espírito e pelos livros de formação, que hoje parece esquecida: a prática da oração durante o dia, mediante o uso de jaculatórias, que muito ajudava a lembrar o ato de oferta feito de manhã e a dar atenção às inspirações do Espírito Santo. Temos muitas instruções do Padre insistindo nisso.
Regras preciosas, mas ultrapassadas?
Uma regra, dada por S. Inácio e copiada pela maioria dos institutos religiosos, inclusive o nosso, dizia: “Ninguém tome bebidas ou comida em casa de externos e nem na casa religiosa fora do tempo das refeições”. As refeições eram três vezes por dia, mais uma pequena merenda. E comia-se em silêncio enquanto alguém lia a vida da Santos. Era até proibido entrar na cozinha, que era um lugar afastado. Hoje cada momento é bom para tomar um cafezinho, um copo de chá ou de refrigerante, junto com um doce, ou balas. Tem até quem nunca bebe água: só Coca Cola, guaraná, sucos. Por isso, temos muitas pessoas gordas, ou diabéticas, que devem tomar continuamente remédios.
Quem não quer seguir as recomendações ascéticas, deveria pelo menos conhecer e observar as normas higiênicas, para uma vida saudável. Ensinam que o nosso corpo é uma máquina maravilhosa, mas, para funcionar corretamente, exige ordem e um tempo para tudo: para dormir (sete horas), comer, deixar ao estômago o tempo de digerir e ao organismo o tempo de assimilar. Recomendam de distanciar as refeições pelo menos três horas uma de outra.
Outra norma recomendada é de não beber nada durante as refeições, bebendo (mas somente água abundante) nos intervalos durante o dia. Naturalmente o comércio de bebidas não está de acordo; mas depende de cada um julgar se é melhor escutar os comerciantes ou os médicos; e decidir com firmeza.
Outra norma antiga ensinava: “levantar da mesa com um pouco de apetite”. Hoje os mestres de vida higiênica recomendam: “comer 20% a menos do desejado”, diminuindo sobretudo a quantidade da carne e dos doces.Para quem não está acostumado, é duro adotar este regime de vida. Mas uma vez acostumados, se torna simples e agradável: é uma vida mais sadia, ordeira e virtuosa.
Temos medos de exigir?
Muitos superiores de institutos e comunidades têm medo de lembrar estas normas, para não parecerem avarentos e interessados, visto que a propaganda capitalista é toda virada a solicitar as satisfações da gula. Mas, quando se trata de satisfazê-la, esquecemos a nossa cruzada contra o capitalismo.
Para aspirantes à vida religiosa e religiosos com votos, a sobriedade é também problema de pobreza. Nós, contudo, lembramos com satisfação as palavras de S. Pedro a Jesus “Eis que nós deixamos tudo para te seguir”, junto com a resposta de Jesus que prometeu em troca o cêntuplo e a vida eterna. Mas, geralmente viemos de famílias pobres e nem tínhamos a possibilidade de estudar para melhorar de vida. Não seriamos padres se não tivéssemos encontrado o instituto que nos hospedou, na maioria das vezes de graça, e não nos deixou faltar de nada.
Mais vezes, gozando os serviços da vida religiosa, eu me pergunto o que posso esperar, depois da morte, como recompensa de Jesus. Ele terá todo o direito de me responder: “Já te dei na vida muito mais daquilo que tu deste a mim!”
– Como vivemos hoje? Que sentido tem e se vale ainda fazer hoje um voto de pobreza? – Eu me pergunto. Talvez mais pedagógico e honesto seria fazer uma promessa de vida na sobriedade.
Mas, depois é preciso procurar de vivê-la de verdade! Vale ainda, mais do que no passado, a exortação de S. Pedro aos primeiros cristãos: “Sejam sóbrios e vigilantes! Eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como leão a rugir, procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé”. (I Pd, 5,8). O diabo, de quem fala S. Pedro, aqui é a moda, a propaganda, o gosto do momento; até, (e talvez principalmente) o mau costume que se deixou entrar em tantas comunidades.
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Por Padre Pio Milpacher, CJS.
Congregação de Jesus Sacerdote
Fonte: Revista Voz Amiga