A VOZ DO FUNDADOR
Revista Voz Amiga | Volume 32 | Nº 1 | Ano 2022
I – Uma ideia central
O Concilio Vaticano II, no 6º capítulo da Constituição sobre a Igreja, fala dos religiosos. E afirma: “Por eles a Igreja apresenta Cristo, ora contemplando no monte, ora anunciando o Reino de Deus às multidões, ora curando os enfermos e feridos e convertendo os pecadores ao bom caminho, ora abençoando as crianças” (LG. 46).
A Igreja quer que os religiosos se especializem na apresentação de Cristo; mas, para não ficar no genérico, que focalizem uma atitude particular dele: os contemplativos o representem “contemplando no monte”; os institutos missionários “anunciando o reino de Deus”; os de educação “abençoando as crianças”.
O nosso Fundador, Pe. Mário Venturini, viveu antes do Concílio, mas, quando preparava as bases da família religiosa, ia traçando as linhas mestras da espiritualidade que devia fundamentar a vida e o apostolado dos futuros membros. Querendo ajudar os sacerdotes, aprofundava as atitudes de Jesus com o Pai e os Apóstolos: “Honrar e fazer honrar e imitar as atitudes sacerdotais de Jesus”, era o seu sonho.
Para tanto meditava essas atitudes, estudando na Bíblia tudo o que se referia ao sacerdócio de Jesus. Contemplou as atitudes dele com o Pai e os Apóstolos, como são descritas nos Evangelhos, fixando depois a atenção nos momentos altos do exercício do seu sacerdócio na última ceia, e na Paixão, onde consumiu o seu sacrifício. Viu depois os acenos ao povo sacerdotal da carta de S. Pedro e do Apocalipse. Estudou sobretudo a carta aos Hebreus, a carta magna do sacerdócio de Cristo.
Deixou aos seus filhos o fruto destas meditações nos escritos pessoais, nas orações e nas pinturas da igreja, que construiu ao lado da casa mãe em Trento, como templo dedicado ao Coração Sacerdotal de Jesus.
2 – As orações.
Fez da S. Missa o centro da sua espiritualidade, porque lá se faz memória da última Ceia, é renovado misticamente o sacrifício do Calvário, é alimentado o povo de Deus, que se reúne em comunidade orante. O sacerdote celebrante representa Cristo e é instrumento dele para distribuir ao povo os frutos ganhos por Jesus com sua Paixão.
Celebrar a Missa todos os dias e santamente; fazer que todos os padres colocassem na celebração a maior devoção, era o sonho do Padre Mário. Queria que fosse precedida de boa preparação e seguida por um agradecimento prolongado.
Mais ainda: queria que a atenção dos seus religiosos fosse sempre centrada neste ato supremo de culto, que é renovado centenas de milhares de vezes, todo dia, pelos sacerdotes espalhados em todo lugar do mundo. Para ajudá-los, encontrou um meio caraterístico: ao tocar das horas o religioso devia parar um momento e repetir um “ato de união ao sacrifício de Jesus”, mediante a repetição desta jaculatória: “Ó Jesus, cordeiro de Deus, perenemente imolado sobre os altares do mundo, eu me uno a Vós”. Seguia um Glória em agradecimento à SS. Trindade, uma invocação a Jesus: “Coração sacerdotal de Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao vosso” e uma invocação a Maria: “Maria, mãe do Sacerdote, rogai por nós”.
Com este meio simples o Padre ajudou-nos a alcançar todos os sacerdotes do mundo, no momento alto do exercício sacerdotal.
Além disso, o Padre procurou uma oração especial para a santificação do clero, e a encontrou no Capítulo 17 de S. João: a oração que Jesus rezou no fim da última ceia: lá ele glorifica o Pai, pede para os Apóstolos e para os futuros discípulos. Aquela oração de Jesus tornou-se para o Padre a oração sacerdotal por excelência e quis que os religiosos a repetissem três vezes por dia.
Na carta aos Hebreus, o Padre notou a ênfase com que o autor sublinhava a oferta de Jesus ao Pai, desde o primeiro instante da sua entrada no mundo: “Cristo, ao entrar no mundo diz: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10, 7).
O Padre ensinou aos religiosos um ato de oferta especial, a ser repetido Toda manhã, que começa com estas mesmas palavras: “Eis que venho, o Deus, para fazer a tua vontade”. Ele exortava os religiosos a levantar prontamente e preparar-se às pressas, para chegar o mais rápido possível na capela, ajoelhar-se aos pês do altar e repetir, como primeiro ato do dia, essa oferta: “Todos os meus pensamentos, palavras e obras sejam para a vossa maior glória, a honra e alegria do coração sacerdotal de Jesus e a santificação do clero. Para esse fim renovo a oferta inteira, absoluta e perpétua de todo o meu ser”. A união ao sacrifício, renovada toda hora, devia lembrá-la, estimulando à coerência.
Tendo encontrado sacerdotes decepcionados e até arrependidos da escolha feita, sentiu grande tristeza. Ele que exaltava tanto a missão sacerdotal! Quis então que os religiosos, todo dia, à oração do “Angelus” acrescentassem o “Magnificat”, o cântico de agradecimento de Maria, por ter sido escolhida mãe do Salvador. Para Pe. Venturini devia ser o hino de agradecimento de todo sacerdote pela vocação recebida.
O Ofício Divino não podia ser descuidado por Pe. Venturini. Seu ideal era que os religiosos rezassem esta oração, destinada a santificar o dia do sacerdote, sempre na Igreja, possivelmente frente ao Santíssimo exposto, quase para sublinhar de modo sensível a união do sacerdote a Jesus “sempre vivo a interceder por nós”.
3 – Maria, Mãe do Sacerdote
Padre Venturini era muito devoto de Maria e, desde os anos de preparação, pensou longamente a caraterística específica de devoção mariana que teria dado aos membros da Congregação e difundido depois entre o clero. Buscou um título particular que pudesse focalizar a função específica de Maria ao lado de Jesus Sacerdote.
Naquela época, alguns estavam difundindo o título de Maria “Virgo sacerdos”, Virgem sacerdote. Mas, muitos não gostavam, nem o Padre gostou. Outros queriam chamá-la “Mater sacerdotum”: Mãe dos sacerdotes”, mas não satisfazia ainda. Pe. Venturini preferiu o singular: “Mãe do Sacerdote”. O título assim é mais claro: Maria é Mãe de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. E quase sinônimo de “Mãe de Cristo”, que significa: do Ungido por Deus, consagrado a Deus, enviado para salvar a humanidade. Um título claramente bíblico-teológico, que procurou difundir entre o clero nas pregações e escritos, não suscitou contestação, foi acolhido com simpatia pelos sacerdotes e foi já usado até em documentos papais.
Na Igreja que construiu, reservou a Maria, Mãe do Sacerdote, nada menos que o arco triunfal que divide a nave do presbitério, representando aí os três momentos sacerdotais mais caraterísticos de Nossa Senhora:
O primeiro quadro representa a anunciação do Anjo. Maria está ajoelhada de braços abertos, como a dizer: “Eis aqui a serva do Senhor “. É o momento no qual “o Verbo se fez carne”. Maria se tornou Mãe de Jesus, o Cristo, o grande Sacerdote.
No meio está Jesus crucificado, e ao lado da cruz Maria, de pé, olhos levantados e braços abertos, como a oferecer o Filho, Sacerdote e Vítima, ao Pai. Do outro lado da cruz está S. João. Jesus está dizendo: “Mulher, eis teu filho… eis tua mãe”. Pe. Venturini via nestas palavras como uma proclamação de Maria, Mãe de todos os cristãos, mas em particular dos sacerdotes, dado que foi confiada especificamente a S. João, que, na noite precedente tinha recebido de Jesus com os outros apóstolos o mandato de celebrar a Eucaristia, pelas palavras “Fazei isto em minha memória”.
Do outro lado um terceiro quadro representa Maria e S. João, sentados frente a uma casa de Jerusalém, ao longe a imagem de três cruzes num outeiro: Maria está falando, e indicando o Calvário a João, que está com um papel na mão. Padre Venturini quis simbolizar a missão de Maria de explicar as profundezas dos mistérios de Jesus aos sacerdotes.
Tudo isso Pe. Venturini sintetizou numa longa e bela oração a Maria, que rezava com a comunidade todo dia, depois das Vésperas, ajoelhado frente a uma imagem de Nossa Senhora. Nela lembra que é mãe de Cristo, único e eterno sacerdote; depois que ele, agonizando na cruz, lhe confiou em particular os sacerdotes na pessoa de João. E pede: “Mostrai-vos mãe a todos os padres: Confirmai no amor os fervorosos, consolai os atribulados, dai novo fervor aos cansados… Intercedei, para que todos os padres, sustentados até o fim pela vossa ajuda, cantem eternamente convosco o hino de louvor na Liturgia do céu”.
4 – Atualidade desta mensagem
Pe. Mário Venturini morreu em 1957. Passaram-se 40 anos. As mudanças culturais, inclusive dentro da Igreja, se fizeram sempre mais rápidas; o Concílio focalizou sobretudo a dimensão profética e pastoral do sacerdócio. Será que a espiritualidade de Pe. Venturini é ainda atual? Tornou-se ainda mais atual!
A colocação do centro de sua espiritualidade na S.Missa encontrou confirmação plena no Concílio. Na Constituição litúrgica afirmou categoricamente: “A Liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja, e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força… Da Eucaristia principalmente, como de uma fonte, se deriva a graça para nós e com a maior eficácia é obtida aquela santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, para a qual, como a seu fim, tendem todas as demais obras da Igreja”(SC 10).
A solenidade e cura na oração do Ofício Divino também foi promovida pelo Concílio, tanto é verdade que se popularizou, por assim dizer: hoje, não somente os sacerdotes, mas as religiosas, os seminaristas e bastantes leigos usam todo dia e comunitariamente esta oração, que foi pela Igreja readaptada à mentalidade e às exigências dos nossos tempos.
Também a oração sacerdotal de Jesus foi valorizada pelo Concílio, que encontrou nela o lema do Ecumenismo, nas palavras: “Que todos sejam um”.
A oração pelos sacerdotes, tão recomendada pelo Padre, se vai difundindo na Igreja, enquanto nos Presbitérios diocesanos é sempre mais focalizada a necessidade da comunhão, da formação contínua, a cura das vocações e a formação dos seminaristas, campos nos quais o Padre trabalhou com zelo incansável.
Os Religiosos da Congregação, nos capítulos gerais de adaptação das regras às novas normas do Concilio, conseguiram facilmente adequar a espiritualidade do Fundador aos novos tempos. Bastou mudar algumas formas, evidenciando melhor o conteúdo. Constataram com alegria a ênfase dada pelo Concílio à formação e à espiritualidade do clero.
Chegando ao Brasil, em 1967, os filhos de Pe. Venturini procuraram encarnar-se nas igrejas locais, seguindo a exortação do Concílio. Assumiram paróquias, como os outros religiosos, para entrar plenamente nos presbitérios diocesanos e assim estar ao lado dos colegas como irmãos, participar dos organismos sacerdotais, como do conselho presbiteral, das equipes vocacionais. Dedicam ao serviço de formação nos seminários, prestando-se no ensino e direção espiritual, ou pregação de retiros, tanto a sacerdotes como a seminaristas.
Também no Brasil, na medida do possível, (dado que aqui as comunidades são pequenas), procuram ser fiéis à Adoração ao Ssmo. Sacramento, à reza comunitária e solene da Oração do tempo presente, à união ao sacrifício de Jesus durante o dia, às preces a Nossa Senhora.
Um sinal da aceitação deste ideal é dado pelo pedido de ajuda espiritual que chegam aos padres (tanto para pregação de retiros, como de direção espiritual), o aumento das vocações, e a participação de leigos, que pedem compartilhar o ideal, mediante a agregação.
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Por Padre Pio Milpacher, CJS.
Congregação de Jesus Sacerdote
“NÓS AJUDAMOS MUITO MAIS OS PADRES EM TODAS SUAS NECESSIDADES QUANDO REZAMOS DIANTE DO ALTAR DE DEUS, DE QUE QUANDO EXERCEMOS PARA ELES QUALQUER MINISTÉRIO EXTERIOR” (Pe. Venturini)
Fonte: Revista Voz Amiga