No dia 07 de março de 1912, Pe. Mário se encontrava de cama, com forte gripe.

No recolhimento do quartinho rezava e meditava.

Na parede esquerda pendia um grande quadro de Jesus agonizante. Era uma querida lembrança da Primeira Missa, presente do pai Domenico.

Tinha observado muitas vezes o quadro, mas nada de extraordinário lhe tinha suscitado no coração. Aquela manhã, ao contrário – era a primeira quinta feira do mês! – se sentia estranhamente atraído a contemplá-lo.

Insensivelmente e suavemente começou a meditar a Paixão de Jesus, as últimas dores que tinha padecido no Horto do Getsêmani durante a mortal agonia.

Seguindo a corrente dos pensamentos, que lhe tinham tornado familiares no estudo dos autores ascéticos, aprofundou os torturantes sofrimentos de Jesus abandonado pelos apóstolos, traído por Judas.

O beijo do traidor, renovado nos séculos pelos maus cristãos e também por quem lhe era predileto, o atingiu.

Viu também a si mesmo no número daqueles que tinham sido causa de agudíssimas dores a Jesus agonizante. Compreendeu a tristíssima possibilidade de novamente trair o Divino Mestre, se não tivesse cultivado uma grande intimidade com Ele.

A contemplação do Getsêmani o abalou. Fê-lo chorar.

Daquela intensa comoção e daquelas lágrimas brotaram propósitos novos. Disso tudo nasceu uma inspiração.

No dia 12 de março, logo que pôde prostrar-se diante do Sacrário, tomou um folheto e traçou nele, em algumas linhas, os sentimentos provados no dia 07. Registrou a inspiração que teve. Fez o propósito que, como numa semente, continha a futura Obra sacerdotal.

Citamos a página verdadeiramente histórica:

Encontro-me desde alguns dias prisioneiro de uma comoção, sinto no meu coração uma necessidade imensa de amar e de reparar o Senhor. O pensamento de que pessoas leigas amam Jesus mais do que eu, que sou sacerdote, me dói muito porque penso que o sacerdote deveria amar o Senhor mais do que os outros, porque recebeu e recebe mais graças de Deus”.

E muitas vezes considero a grande dignidade, da qual fui revestido, e a minha suma miséria, e me sai espontânea dos lábios a bela expressão: “Quem és tu, o padre? Nada e tudo”.  Quanto, pois, não deveria ser grato ao Senhor por tanto benefício! Toda a minha vida deveria ser uma palpitação contínua de amor por Deus, um hino incessante de agradecimento.

Meu Deus, quanto sois longânime, paciente, misericordioso! Não posso pensar na minha vida cotidiana, sem provar um vivo sentimento de dor e de compaixão por vós. A Santa Missa celebrada quase sem devoção, o Ofício Divino rezado bastante mal, as obras do meu ministério desempenhadas em mau modo ou descuidadas! Quantas vezes passo diante do Santo Sacrário e não me lembro de Jesus que ali está vivo, verdadeiro, real; passo dias inteiros, sem nunca pensar no Senhor. É possível que seja esta a vida de um sacerdote? Pode ser que o coração de um sacerdote vos ame tão pouco, ó Senhor? Sim, sim, pode ser; e este sacerdote sou eu.

Jesus bendito, tende piedade de mim. Compreendo agora as vossas palavras: “Os maus cristãos se voltam contra o meu corpo, porém as pessoas a mim consagradas ferem diretamente o meu Coração!” Quanto, pois, devo eu fazer sofrer este vosso Coração Santíssimo pela minha frieza, insensibilidade, indiferença!

E depois pretendo ensinar os outros, incentivar as pessoas que se colocaram sob a minha direção a amar-vos, indicar-lhes o caminho para agradar a Vós; mas eu, nisso, estou parado. E não sou talvez um hipócrita, demonstrando aquilo que não sinto e que tantas vezes não quero sentir?

Jesus bendito, vo-lo repito: tende piedade de mim. Agradeço-vos por, há bastante tempo, Vós me falardes continuamente ao coração. Vós me manifestastes ser necessário que eu viva mais unido ao vosso Coração com o amor e com o sacrifício. Mas dai-me Vós o vosso santo auxílio porque sozinho não sou capaz de fazer nada. Fazei que eu conceba uma vivíssima dor pelas contínuas ingratidões de tantos sacerdotes contra Vós, e que sinta sempre mais ardente a sede de sofrer para repará-la e aliviar de algum modo a dor profunda que elas causam ao vosso Sacratíssimo Coração.

Prometo-vos ainda que me esforçarei para que outras pessoas venham a sofrer… amar e fazer amar, reparar e fazer reparar…

Encontramo-nos diante da futura Obra sacerdotal, já pressentida, vagamente intuída. A árvore não é a semente, mas toda árvore vem da semente.

Durante aquele março, Pe. Mário viveu sob a viva comoção daquela contemplação de Jesus no Horto. Muitas vezes se perguntava se era um sonho seu ou mesmo uma ilusão, ou uma idéia sem força, pensar em dar princípio a uma Obra que respondesse aos desejos de Jesus Agonizante, que oferecesse reparações ao seu Coração, que ajudasse os sacerdotes na grande tarefa da santidade.

Para a interrogação não havia, então, resposta. Incerteza, confusão, incapacidade, timidez o envolviam como numa cortina de neblina.

Uma coisa sabia: que o “pensamento” do dia 07 de março foi uma graça para preveni-lo da tibieza e uni-lo sempre mais ao seu Deus. Haveria sim, de organizar uma Obra, mas se perguntava: “Por que devo ser mesmo eu? Por que escolheu a mim?” Confundia-se e na sua humildade não encontrava outra resposta senão pensar no poder do Senhor que suscita as obras dentro da Igreja, servindo-se dos meios mais comuns, inadequados… Deus escolheu as coisas mais desprezíveis para…

Deveria se dedicar a uma obra de reparação. Agora percebia como o Senhor o tinha disposto e preparado, fazendo-lhe encontrar certos “casos” na sua breve experiência de pastoral. Agora entendia como devia ver o lado humano, as deficiências nas pessoas mais amadas pelo Senhor. Devia crescer no santo temor, propor a si uma vida sempre mais santa e, depois, rezar e reparar.